Meu Coração e Outros Buracos Negros | Jasmine Warga

O que vai acontecer com nossa energia quando morrermos?

Aysel, que rima com pincel, é apaixonada por física e passa mais tempo do que deveria em seu emprego entediante em telemarketing, visitando um site para suicidas. Carrega em suas costas um peso inimaginável, uma dúvida eterna em sua mente, uma lesma preta em seu estômago e um buraco negro dentro de seu coração.

Mesmo sabendo que o título não aponta necessariamente para uma história leve e fácil de ser contada, me interessei muito pela obra e me surpreendi com o rumo tomado em diversos momentos. Principalmente no final. Preparem-se para uma resenha escrita pelas duas pessoas desse blog, amantes da editora Intrínseca!

Focado em tabus como o suicídio e a depressão, o livro nos mostra como a vida de Aysel mudou drasticamente depois que seu pai cometeu um crime horrendo que o condenou à prisão. Quem poderia garantir que ela não carregava o gene da loucura, que tomou conta dele, dentro de si? Foi pensando nisso que ela encontrou o site chamado "Passagens Tranquilas". Que, de tranquilo, não tinha absolutamente nada. 

Mesmo que ela quisesse tirar a própria vida, não significava que ela precisaria fazer isso sozinha. Foi assim que ela e RobôCongelado marcaram seu primeiro encontro - um tanto quanto macabro - para discutir os detalhes de como iriam partir desta para uma melhor.

Cada personagem foi cuidadosamente criado e aos poucos vamos entendendo melhor a realidade e trajetória de cada um ao longo da história. Como poderia um garoto que aparentava ter uma vida tão boa, com uma mãe tão agradável?

E foi entre milk shake de morango e batata frita com pimenta em uma lanchonete de cidade pequena que Aysel percebeu que sua lesma poderia ser algo maior e o RobôCongelado se tornou um pouco mais quentinho. Quase aconchegante e familiar.

Planos foram feitos, possibilidades e consequências foram expostas como as cartas de um baralho em uma mesa de bar, e dois buracos negros se fundiram. Só precisou de uma única faísca. Mas sabe como dizem, uma faísca pode mudar tudo.

E mudou muito. Mudou tanto que chegou em nevar a março! É, parece que milagres acontecem mesmo, só não podemos viver deles. Era um milagre os dois se encontrarem e estabelecerem uma relação "saudável", na medida do possível: bons parceiros era o que os definia. Parceiros se entendem e precisam um do outro, acho que esse é ponto do livro.

Em um mundo onde todos se esforçam para ser autosuficientes, negligenciam o fato de que não há nada de errado ou frágil em precisar de outro alguém ou algo. Alguém/algo com que se identifique.

A obra é bem gostosa e dá vontade de entendê-la, te faz querer decifrá-la a cada vírgula, até chegar o último ponto final. As 305 páginas do livro fazem algo parecido com como quando alguém aperta sua mão com tanta força que você quase não consegue senti-la mais. Mas nesse caso você sente. Ah, se sente!

RobôCongelado faz o favor de abrir os olhos de Aysel, e a mocinha cumpre o dever de ensinar ao Recém-Descongelado talvez, só talvez, seja realmente tudo relativo, não só o que Einstein afirma em sua teoria da relatividade, como o tempo e a luz, mas literalmente tudo.

A vida pode ser um pouco terrível e incorrigível até o universo mudar um pouco e o ponto de observação ser alterado e, de repente, tudo parece mais suportável. Até a ideia de morrer. 

Talvez o que todo mundo precise é de alguém para percebê-lo, observá-lo até que suas pernas fraquejem e algo dentro de você exploda. Seu coração. E todos os seus outros buracos negros.